Por uma memória que nos sustente
“Em um mundo no qual temos máquinas para fazer tudo. Fazer algo com as mãos não deixa de ser revolucionário… uma rebeldia!” A ideia central por trás da minha apresentação dois dias atrás no Congresso Internacional de Gastronomia Mesa Tendências, foi propor uma reflexão sobre a responsabilidade que nós cozinheiros profissionais temos em fazer uma ponte entre os tempos e estarmos sempre com o olhar referenciado na sabedoria do fazer com as mãos. Esse saber que precisa e deve ser preservado para que o sonho da moderna cozinha brasileira seja possível. Ser capaz de pensar o futuro da gastronomia aprendendo com o passado parece simples, como fritar um ovo deveria ser. Mas ninguém melhor do que nós, cozinheiros convictos e atentos, para saber o quanto é complexa a tarefa de fritar um ovo como deve ser. A simplicidade incomoda porque ela desafia, instiga, perturba. Como explicar a sensação de satisfação plena que um simples arroz quentinho na companhia de um ovo frito bem feito pode causar?Muitas perguntas, muitas reflexões, inúmeras lições. Essa cozinheira apaixonada que vos fala se sente pequena, mínima, envergonhada, perto da grandiosidade de certos artesãos das mãos que espalhados por esse Brasil mantém a chama da nossa memória gastronômica acesa e nos desafiam a pensar numa cozinha moderna que seja capaz de manter essa ligação tão preciosa com o passado vivo e presente.
Esse filme feito pelas mãos de um artesão do olhar chamado Yuri Samico diz muito sem ter que dizer tanto. Comove, incomoda, desafia, pergunta, emociona, intriga, questiona… Atenção especial a fala mansa do mineiro “fazedor” – existe palavra mais linda do que essa? – de doces de São Bartolomeu, MG, sobre o dia em que o marmelo que antes existia em abundância em Minas Gerais, simplesmente acabou. Fiquem atentos à fala mansa, firme e extremamente lúcida da Dona Virginia, mulher de fibra que há mais de 80 anos debulha com as próprias mãos o milho que será moído no moinho movido a água que pertenceu ao seu avô, mas que hoje já não produz como antes porque a água está mais miúda… Observem o Roninho, dono da Mercearia Paraopeba em Itabirito, MG, seu pensamento, seu gestual, sua postura tão simples para alguém que pode ser considerado um herói nacional. Um homem que devota a vida a não deixar que as páginas de um passado que ainda nos comove sejam arrancadas desse caderno chamado Brasil.
Veja também relato sobre a carreira da Chef no link: http://www.revistasaboresdosul.com.br/conversa-de-chef/ver.php?id=8=Roberta_Sudbrack
foto: http://www.destemperados.com.br/2010/04/30/o-fastsud-da-roberta-sudbrack/
foto: http://www.destemperados.com.br/2010/04/30/o-fastsud-da-roberta-sudbrack/